Para o cientista político Adrian Lavalle "é espantoso que o Governo esteja utilizando a destituição de Dilma como se ele tivesse recebido um mandato"
São
Paulo – (El País) 30 ABR 2017
A
despeito da popularidade em baixa, e de críticas às reformas trabalhista e previdenciária por parte de setores da
sociedade, o Governo Temer mantém seu cronograma de
pautas no Congresso com sucesso. Sexta-feira, 28, a greve geral chamada por
centrais sindicais em diversos estados brasileiros representou um teste de
força para o avanço das reformas encabeçadas pelo Governo. Adrian Lavalle,
cientista político da Universidade São Paulo (USP) e pesquisador do Centro
Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), conversou com o EL PAÍS para
comentar as movimentações sociais e o impacto que elas podem causar no
andamento político de Brasília. Leia abaixo os principais trechos da entrevista.
1. Segundo
pesquisa divulgada nesta semana pelo Instituto Ipsos, oapoio ao Governo Temer caiu
para cerca de 4%, enquanto 92% dos brasileiros acham que o país está
no rumo errado. Qual é o impacto real que esses índices têm sobre Brasília?
Resposta. Não
existe nenhuma regra automática de conversão dos clamores populares na atuação
dos políticos. Enquanto o mundo da política tem suas próprias regras, lógicas e
interesses, os atores sociais com capacidade de mobilização também. Esses
universos só se encontram quando as ruas vão de encontro aos interesses
políticos, como aconteceu no caso do impeachment de Dilma
Rousseff. Naquele caso, os políticos se arvoraram no papel de
intérpretes dos anseios populares. Agora, o discurso mais comum é que as
mobilizações, como as que ocorreram nesta sexta-feira, sejam tachadas de
baderna.
2. Tendo
isso em vista, qual você acredita que será o reflexo imediato da chamada Greve
Geral desta sexta-feira no mundo político? No final do dia, Temer já publicava
nota em que minimizou os atos e disse que as reformas continuariam a ser
discutidas no âmbito do Congresso...
R. O
eleitorado é uma espécie de espantalho sazonal para os políticos: conforme as
eleições vão se aproximando, eles vão entrando no prumo. Assim, faltando um ano e meio para
as eleições de 2018, acredito que a mobilização levante preocupações
nos parlamentares em relação ao que está sendo votado em Brasília.
A mobilização mostrou que as reformas afetam interesses de
setores com capacidade de mobilização. Além disso, a votação da reforma
trabalhista mostrou que o Governo pode não conseguir votos suficientes para
aprovar uma reforma constitucional, que é o caso da reforma da Previdência. Há
parlamentares na base de apoio do Governo, e dentro do próprio PMDB, fazendo
cálculos políticos para a aprovação das reformas.
Agora, é inegável que essa foi a maior mobilização popular
contra o Governo desde o impeachment de Dilma. A estratégia de Temer, claro,
será minimizar o impacto da greve para avançar com as pautas. É uma disputa de
discurso.
3. Mas em
sua opinião, no que a mobilização desta sexta-feira se diferencia de outras
manifestações contrárias a medidas do Governo Temer?
R. Em
comparação com a outra paralisação, do dia 15 de março, em que quase duas dezenas
de Estados teve categorias promovendo atos, esta greve geral teve uma
capacidade de mobilização bem maior. Isso ficou claro do ponto de vista de
cobertura nacional e também da quantidade de setores mobilizados.
O que mais chama atenção é que diferentes setores que não
vinham se mobilizado, aderiram às mobilizações desta sexta-feira.
Por exemplo, não é uma surpresa que a Central Única dos Trabalhadores (CUT) se
mobilize, mas é interessante notar que a Força Sindical, que apoiou o
impeachment de Dilma Rousseff, acusou o golpe das reformas e participou da
greve. Além disso, há setores, como o dos professores particulares, que
aderiram aos atos. Isso é uma surpresa. O impacto dessa greve geral não é
imediato, mas dá indícios de certo alinhamento de setores organizados da
população que estavam dispersos.
4. Você fala
em setores organizados. Acredita que a mobilização contra pautas que tem efeito
concreto na vida das pessoas, como a reforma da Previdência, pode, de algum
modo, fazer com que grupos de espectros políticos diferentes saiam às ruas
juntos, mais ou menos como ocorreu em 2013?
R. É
difícil. O Brasil está muito clivado. Há a novidade histórica recente do país que
é a clivagem ideológica. A direita, os conservadores, estão organizados e
vocalizando suas posições claramente. Essa clivagem não tem a ver com classe
social, ela é transversal e alinha grupos sociais com posições econômicas
diversas. Esse fator dividiu as ruas brasileiras nos últimos anos.
Por outro lado, as reformas podem fazer com que o lado da
chamada “esquerda social”, que ficou com pouca capacidade de atração de
segmentos populacionais mais amplos – basicamente por causa dos escândalos de
corrupção recentes –, ganhe força novamente. Nesta sexta-feira, a novidade foi
que setores tradicionais do campo da esquerda, como a CUT, conseguiram
fazer com que outros setores, que estavam dispersos, aderissem à greve.
5. A
despeito de manifestações e crítica, a quantidade e profundidade de pautas com
que o Congresso tem trabalhado é muito alta. Ao que se deve isso?
R. O Governo
tem mostrado, desde o começo, que representa um realinhamento do que foi o teor
das políticas públicas não só dos Governos petistas, mas também do PSDB. O
processo de ampliação de direitos vem desde a Constituinte e sempre foi mais ou
menos contínuo.
O que acontece agora é que a destituição de Dilma está sendo usada
pelo Governo como se ele tivesse recebido um mandato. E isso é espantoso. Você
pode discordar do mérito da destituição, o que é uma discussão, mas o que de
fato é difícil de discordar é que a destituição não significa novo mandato. O
que se tem visto é uma virulência muito grande noataque de conquistas
sociais que o país veio obtendo progressivamente nas últimas décadas.
6. Mas por
que isso não tem se revertido em dificuldades para o Governo aprovar suas
pautas?
R. Em
primeiro lugar, porque ele tem uma base aliada ainda muito grande. Em segundo,
porque Temer, mesmo pelo acordo que fez especificamente com o PSDB, de não
procurar a reeleição, não tem compromisso com sua popularidade. Ele poderia até
ter repensando suas ações, caso, em algum momento, tivesse obtido algum tipo de
aprovação da população.
Contudo, com o andamento dos acontecimentos – escândalos de
corrupção, falta de credibilidade geral de políticos, crise econômica –, ele
acabou ganhando certa liberdade para empurrar decisões sem que precise se
preocupar com o retorno político eleitoral. Resta saber se isso vai continuar
valendo para o Congresso.
7. Como você
avalia o papel dos sindicatos nas mobilizações desta sexta?
R. Os
sindicatos têm uma face positiva e outra negativa. Obviamente, eles procuram um
conjunto de benefícios que, por vezes, não são os melhores para as atividades
fins com quais eles estão envolvidos. Por outro lado, apesar dos possíveis
excessos, a face importante é que os sindicatos surgiram justamente para
negociar por aqueles que não tinham condições de conversar em pé de igualdade.
Quando você tem dois polos de negociação e um deles é muito mais
fraco, não há negociação possível. Foi isso que, historicamente o movimento
sindical conseguiu mostrar. Os sindicatos, assim, entram como intermediários,
para organizar a capacidade coletiva dos trabalhadores de negociar. Boa parte
do que conhecemos hoje como direitos trabalhistas fundamentais, não teriam
surgido não fossem por eles. A queda de braço entre os movimentos sindicais e a
reforma trabalhista do Governo continuará forte.
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