segunda-feira, março 24, 2014

Marcha à ré do atraso foi um fiasco nacional

Por Samuel Lima (*) 
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Apesar de você / Amanhã há de ser / Outro dia / Você vai ter que ver / A manhã renascer
E esbanjar poesia / Como vai se explicar
Vendo o céu clarear / De repente, impunemente / Como vai abafar / Nosso coro a cantar / Na sua frente -- (Chico Buarque)


Convocada com estardalhaço, através das Redes Sociais e contando com o suporte de vozes na mídia tradicional, como é o caso da TV Folha (do jornal Folha de S. Paulo) e do Jornal do SBT, a “Marcha da Família” foi um fiasco nacional. Objeto de pilhéria de seus opositores, nas mesmas mídias sociais, a tal marcha à ré na história se revelou um vexame: de capital em capital, contava-se quem tinha menos gente mobilizada para defender o golpe militar e a destituição de lideranças políticas, da presidente da República aos vereadores, deputados, senadores, ministros do STF entre outros. Os dados compilados dos portais noticiosos são incontestes: em Floripa teve 3 manifestantes; Natal, 9; em Belém, 20; Goiânia e Recife, 6; já em Belo Horizonte a marcha foi cancelada; no RJ cerca de 200 pessoa e em Porto Alegre, 40.

Talvez tenha contribuído para isso, o próprio desatino do conjunto de propostas, somado ao fato de uma leitura de realidade totalmente desprovida de fundamento, acrescida do déficit de retrospectiva histórica – temos na melhor das hipóteses 45 anos de vida “razoavelmente democrática”, desde a inauguração do Brasil, em abril de 1500.

Os maiores jornais impressos em circulação nacional (Estado de S. Paulo e Folha de S. Paulo), simplesmente ignoraram a tal marcha à ré, nas edições de domingo (23/03/14). O jornalista Leonardo Sakamoto resolveu acompanhar a manifestação em S. Paulo, cidade que prometia milhares de pessoas nas ruas pedindo a volta dos militares ao poder. O relato de Sakamoto é muito interessante (confira a íntegra aqui: http://migre.me/itcHq).

Concordo com ele numa questão central: “Apesar de sempre existirem, suas ideias eram sussurradas no âmbito privado e, portanto, estavam alheias à possibilidade de debate público. Viva, pois, a maldita democracia!”. É no ambiente incensado e civilizado do debate público que esse tipo de gente se ridiculariza por si, sem precisar de oponente. Pelas contas de Sakamoto, pouco mais de 400 pessoas atenderam o chamado dos líderes da “marcha à ré”, em Sampa. A Marcha Antifascista, convocada para o mesmo horário e cujo trajeto acabou na frente do temível DOI-CODI, centro de tortura da ditadura militar, reuniu um público estimado em 1,5 mil pessoas e marcou a posição dos que lutam pelas liberdades democráticas.

De Joinville (SC) vem outro belo exemplo. Sentados, pacificamente, na Praça da Bandeira, Centro da cidade, palco das manifestações e lutas populares, centenas de estudantes do Movimento Passe Livre, da Juventude Esquerda Marxista e do Centro de Direitos Humanos Maria da Graça Braz impediram que os fascistas ocupassem a praça. A juventude na plenitude do seu papel de vanguarda, nos emocionando, enchendo de esperança o horizonte e indicando o caminho da vida, e da luta.

No portal Viomundo (organizado pelo jornalista Luiz Carlos Azenha), os repórteres Igor Ojeda e Tatiana Merlino também acompanharam a “marcha à ré” em Sampa. Um dos líderes do movimento, Kleber Eduardo, de 39 anos, falou como porta-voz: “Temos de tirar os comunistas do poder. É a hora de dar um basta socialmente e politicamente. Defendo a intervenção militar.” Questionado sobre as torturas, desaparecimentos e assassinados cometidos pelo Estado durante o regime militar, Kleber atenuou: “não se faz guerra com rosas” (acesse a íntegra aqui: http://migre.me/itdXe).

Para a jornalista Laura Camprignole (da CartaCapital) “faltou família brasileira na marchinha atual”. Mas, sobraram bravatas e a defesa da tortura contra presos políticos: “O coronel Ricardo Jacob, da reserva da PM, um dos mais aplaudidos da marchinha, defensor da tortura como método de obtenção de informações - “Porque, na moral, falando, conversando, ninguém fala a verdade” (leia a íntegra da reportagem aqui: http://migre.me/itey0).

Os grandes jornais têm buscado cobrir o espaço do debate público, suscitado pelas evocações históricas dos 50 anos do golpe militar. Neste contexto, os promotores da “marchinha à ré” ofereceram notável contribuição: a mesma liberdade que eles buscam cassar, lhes permitiu ir às ruas e defender suas ideias estapafúrdias. É um inequívoco sinal da maturidade democrática que a sociedade brasileira alcançou. Há muito chão pela frente, sem dúvida, mas com paciência histórica e a reconhecida disposição de luta dos trabalhadores brasileiros é possível conquistar graus crescentes de liberdade e de bem-estar social. Isso se faz através de lutas coletivas, aprendizado democrático, erros e acertos, combate permanente à corrupção, bem como o fortalecimento das instituições e a defesa permanente das liberdades de expressão (como direito humano) e de imprensa, como espaço democrático de manifestação da sociedade.

(*) É jornalista, professor-adjunto da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília (FAC/UnB) e pesquisador do Núcleo de Transformações sobre o Mundo do Trabalho (TMT) do Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política (UFSC).
 
***Extraído do blog do jornalista Manuel Dutra 
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Comentário do blog: Gostei do resultado, Dutra e Samuel. Cheguei a ficar preocupado que essa estupidez encontrasse eco em muito mais gente. Mas, como disse meu amigo Samuca, com muita propriedade, o povo brasileiro amadureceu muito ao longo dos últimos 24 anos. 
 
Estou com um artigo pronto para a próxima edição do Jornal do Comércio, com o título EU NÃO TENHO SAUDADES DA DITADURA
 
Como já disse, respeito a diversidade de pensamentos e de ideologias, que nada tem a ver com isso, que é defesa de volta ao estado totalitário. Isso é coisa de quem teve algum benefício na ditadura militar, ou de alienados.
 
Jota Parente

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