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Apesar de você / Amanhã há de ser / Outro dia / Você vai ter que ver / A manhã renascer
E esbanjar poesia / Como vai se explicar
Vendo o céu clarear / De repente, impunemente / Como vai abafar / Nosso coro a cantar / Na sua frente -- (Chico Buarque)
Convocada com estardalhaço, através das Redes Sociais e contando com o
suporte de vozes na mídia tradicional, como é o caso da TV Folha (do
jornal Folha de S. Paulo) e do Jornal do SBT, a “Marcha da Família” foi
um fiasco nacional. Objeto de pilhéria de seus opositores, nas mesmas
mídias sociais, a tal marcha à ré na história se revelou um vexame: de
capital em capital, contava-se quem tinha menos gente mobilizada para
defender o golpe militar e a destituição de lideranças políticas, da
presidente da República aos vereadores, deputados, senadores, ministros
do STF entre outros. Os dados compilados dos portais noticiosos são
incontestes: em Floripa teve 3 manifestantes; Natal, 9; em Belém, 20;
Goiânia e Recife, 6; já em Belo Horizonte a marcha foi cancelada; no RJ
cerca de 200 pessoa e em Porto Alegre, 40.
Talvez tenha contribuído para isso, o próprio desatino do conjunto de
propostas, somado ao fato de uma leitura de realidade totalmente
desprovida de fundamento, acrescida do déficit de retrospectiva
histórica – temos na melhor das hipóteses 45 anos de vida “razoavelmente
democrática”, desde a inauguração do Brasil, em abril de 1500.
Os maiores jornais impressos em circulação nacional (Estado de S. Paulo e
Folha de S. Paulo), simplesmente ignoraram a tal marcha à ré, nas
edições de domingo (23/03/14). O jornalista Leonardo Sakamoto resolveu
acompanhar a manifestação em S. Paulo, cidade que prometia milhares de
pessoas nas ruas pedindo a volta dos militares ao poder. O relato de
Sakamoto é muito interessante (confira a íntegra aqui: http://migre.me/itcHq).
Concordo com ele numa questão central: “Apesar de sempre existirem, suas
ideias eram sussurradas no âmbito privado e, portanto, estavam alheias à
possibilidade de debate público. Viva, pois, a maldita democracia!”. É
no ambiente incensado e civilizado do debate público que esse tipo de
gente se ridiculariza por si, sem precisar de oponente. Pelas contas de
Sakamoto, pouco mais de 400 pessoas atenderam o chamado dos líderes da
“marcha à ré”, em Sampa. A Marcha Antifascista, convocada para o mesmo
horário e cujo trajeto acabou na frente do temível DOI-CODI, centro de
tortura da ditadura militar, reuniu um público estimado em 1,5 mil
pessoas e marcou a posição dos que lutam pelas liberdades democráticas.
De Joinville (SC) vem outro belo exemplo. Sentados, pacificamente, na
Praça da Bandeira, Centro da cidade, palco das manifestações e lutas
populares, centenas de estudantes do Movimento Passe Livre, da Juventude
Esquerda Marxista e do Centro de Direitos Humanos Maria da Graça Braz
impediram que os fascistas ocupassem a praça. A juventude na plenitude
do seu papel de vanguarda, nos emocionando, enchendo de esperança o
horizonte e indicando o caminho da vida, e da luta.
No portal Viomundo (organizado pelo jornalista Luiz Carlos Azenha), os
repórteres Igor Ojeda e Tatiana Merlino também acompanharam a “marcha à
ré” em Sampa. Um dos líderes do movimento, Kleber Eduardo, de 39 anos,
falou como porta-voz: “Temos de tirar os comunistas do poder. É a hora
de dar um basta socialmente e politicamente. Defendo a intervenção
militar.” Questionado sobre as torturas, desaparecimentos e assassinados
cometidos pelo Estado durante o regime militar, Kleber atenuou: “não se
faz guerra com rosas” (acesse a íntegra aqui: http://migre.me/itdXe).
Para a jornalista Laura Camprignole (da CartaCapital) “faltou família
brasileira na marchinha atual”. Mas, sobraram bravatas e a defesa da
tortura contra presos políticos: “O coronel Ricardo Jacob, da reserva da
PM, um dos mais aplaudidos da marchinha, defensor da tortura como
método de obtenção de informações - “Porque, na moral, falando,
conversando, ninguém fala a verdade” (leia a íntegra da reportagem aqui:
http://migre.me/itey0).
Os grandes jornais têm buscado cobrir o espaço do debate público,
suscitado pelas evocações históricas dos 50 anos do golpe militar. Neste
contexto, os promotores da “marchinha à ré” ofereceram notável
contribuição: a mesma liberdade que eles buscam cassar, lhes permitiu ir
às ruas e defender suas ideias estapafúrdias. É um inequívoco sinal da
maturidade democrática que a sociedade brasileira alcançou. Há muito
chão pela frente, sem dúvida, mas com paciência histórica e a
reconhecida disposição de luta dos trabalhadores brasileiros é possível
conquistar graus crescentes de liberdade e de bem-estar social. Isso se
faz através de lutas coletivas, aprendizado democrático, erros e
acertos, combate permanente à corrupção, bem como o fortalecimento das
instituições e a defesa permanente das liberdades de expressão (como
direito humano) e de imprensa, como espaço democrático de manifestação
da sociedade.
(*) É jornalista, professor-adjunto da Faculdade de Comunicação da
Universidade de Brasília (FAC/UnB) e pesquisador do Núcleo de
Transformações sobre o Mundo do Trabalho (TMT) do Programa de
Pós-Graduação em Sociologia Política (UFSC).
***Extraído do blog do jornalista Manuel Dutra
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Comentário do blog: Gostei do resultado, Dutra e Samuel. Cheguei a ficar preocupado que essa estupidez encontrasse eco em muito mais gente. Mas, como disse meu amigo Samuca, com muita propriedade, o povo brasileiro amadureceu muito ao longo dos últimos 24 anos.
Estou com um artigo pronto para a próxima edição do Jornal do Comércio, com o título EU NÃO TENHO SAUDADES DA DITADURA.
Como já disse, respeito a diversidade de pensamentos e de ideologias, que nada tem a ver com isso, que é defesa de volta ao estado totalitário. Isso é coisa de quem teve algum benefício na ditadura militar, ou de alienados.
Jota Parente
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