Essa afirmação é do Evangelho de João e se refere a Deus, que enviou
seu Filho único aqui na terra. Mas ela também pode corretamente ser
aplicada ao homem que, se ainda fosse vivo, estaria hoje completando 100
anos de existência. De certa forma, ele está bem vivo na memória de
muita gente, pela forma como viveu aqui no Baixo Amazonas.
Esse homem era dom Tiago Rayan, ou simplesmente dom Tiago, como era
mais conhecido. Foi um homem de muitas qualidades admiráveis, umas se
destacam sobre outras.
Ao longo dos 90 anos que viveu aqui na terra, maior parte entre
Fordlândia e Monte Dourado, entre Vista Alegre do Moju e Piraquara, no
lago Grande do Curuai, centralizando na sua cidade cantada por ele
mesmo, na canção de seu grande amigo Isoca – “nunca vi praias tão
belas…” – hoje causando tristeza pelo “pogresso”, isto mesmo,
“pogresso”…
Tiago Rayan levou a sério aprender e praticar os dois mandamentos de
seu mestre Jesus: “Amar a Deus acima de qualquer coisa e cuidar dos
outros mais do que a si mesmo”. Quem viveu mais próximo dele compreende
porque dom Tiago marcou a história e a vida desta região abençoada por
Deus e amaldiçoada pelos governantes e demais autoridades.
Na intimidade, ele chegava a dizer que os políticos eram uma
cachorrada só, e não estava longe da realidade. Aos 30 anos, deixou seu
país natal, sua família e seus irmãos de ordem franciscana e veio rumo
ao desconhecido da Amazônia.
Veio “sem lenço nem documento”, no dizer do cantor popular, mas veio
com a alma franciscana e o compromisso de fazer a vontade de Deus. De
Fordlândia a Belterra e de lá a Santarém e toda a atual diocese; de
frade simples a coordenador de seus co-irmãos e daí, a ser eleito bispo
por obra do Espírito Santo e decisão do Vaticano.
Quem se lembra da generosidade espontânea do bispo que falava com
todo mundo, que tratava as crianças com carinho e bombons, e que as
chamava de “gado miúdo”? E como tratava os jovens, mesmo não conhecendo
nominalmente, dava atenção, escutava seus problemas e dava incentivo.
Dos marianos e apostolado a cursilho e Renovação Carismática; das CEBs
às pastorais sociais lá estava o Tiago Ryan a apoiar, como também
apoiava os pescadores e os trabalhadores rurais com seus sindicatos.
Enfrentava a ditadura militar, sem agredir, respeitava os irmãos
protestantes, sem submissão.
Era um homem de Deus para seu povo. Mesmo depois de aposentado,
continuava a falar no rádio ao povo, na Voz do Pastor, com aquela
intimidade de pai – “meus amigos…”.
Assim foi Tiago Rayan durante 59 anos que viveu bebendo água do rio
Tapajós. Assim ele fez história, não foi apenas uma passagem pela vida,
não foi apenas mais um bispo da Igreja Católica. Foi mais, cunhou seu
nome, não apenas na lápide de seu túmulo, mas no coração do povo do
Baixo Amazonas.
Certamente, ao chegar ao céu, dez anos atrás, ouviu do Mestre a
afirmação: “Vem, bendito de meu Pai, a casa é sua, pois quando eu tive
fome, sede, quando estava nu e no presídio, quando estava doente e era
estrangeiro, quando cheguei flagelado da seca do nordeste, você me
acolheu, por isso, entre que a casa é sua”.
Padre Edilberto Sena - Padre diocesano e diretor da Rádio Rural de Santarém
Publicado no blog no Jeso
---------------------------------------------
Nota do blog: ao publicar este comentário do amigo Padre Edilberto, presto minha singela homenagem a D. Tiago, com quem tive oportunidade de conviver quase diariamente quando fui seminarista, no Seminário S. Pio X, e mais tarde, todos os dias enquanto estive trabalhando na Rário Rural. Tenho profundo respeito pela memória de D.Tiago, assim como o respeitei e admerei em vida.
Nenhum comentário:
Postar um comentário