Publicado na edição 137 do Jornal do Comércio que está circulando desde hoje de manhã
Dependendo das circunstâncias em que você se encontrar, o tempo passa mais depressa ou mais devagar, embora, um minuto tenha sempre 60 segundos e uma hora nunca estenda a mais do que 60 minutos. Mas, que a duração do tempo é relativo, disso eu não tenho dúvida. Principalmente depois da amarga experiência de passar meu Natal de 2011 no apartamento 205 do Prontocord, o hospital do coração, em Manaus, ao lado de minha mulher Marilene. Para nós dois foi a vivência de uma situação complicada, atípica e inusitada. Eu convalescendo; ela, minha companhia.
Conversa vai, conversa vem, acaba conversa, um olha para o outro, o outro olha para o um e nada da hora da Ceia de Natal chegar. Ceia de Natal para o outros, pois a nossa, sobretudo a minha, foi regrada à comida balanceada. Entretanto, aquele clima de hospital não poderia servir somente para lamúrias, pois a vida resume-se bem mais do que a apenas isso.
Estamos cansados de saber que o Natal virou um grande apelo comercial fabricado pelos norte-americanos dos Estados Unidos, na segunda metade do Século XIX; qualquer pessoa com um mínimo de informação na cabeça conhece a história de que a Igreja aproveitou a popularidade das festas de final de Dezembro do Império Romano para tornar popular a festa do nascimento do Senhor Jesus. Basta não ser, ou não querer ser alienado para saber disso. O aspecto comercial da festa é muito mais recente.
Apesar de tudo isso, o Natal precisa servir para alguma coisa, algo bem maior do que, simplesmente, entupir prateleiras com artigos sugestivos para presentes, abarrotar as caixas registradoras das lojas de dinheiro, troca de presentes entre parentes, amigos e colegas de trabalho e encher a pança de comida e bebida. Não é possível que não se dê, ou não se encontre outro sentido para tanta gastança! O que está acontecendo com este mundo, cada vez mais eivado de violência, concentração de renda e egoismo?
Na maioria das vezes, mal conseguimos enxergar além do próprio umbigo quando o assunto é espírito natalino. Pois não é que num leito de hospital eu tive tempo de sobra para pensar nisso! Não sou melhor nem pior que ninguém. Assim como qualquer pessoa normal, também sempre me deixei levar por isso que a gente vive a todo ano, sob a alegação de que estamos fazendo aquilo em nome, honra e glória de Jesus, quando, na verdade, via de regra, esquecemos de convidá-lo para Sua própria festa.
Que seja o Natal uma essa festa anual, onde as famílias tem o direito sagrado de se reunirem, trocarem presentes, saciarem-se com comidas especiais, tudo bem! O que não dá para continuar engolindo é a nossa hipocrisia diária de ver o esfomeado passar à nossa porta pedindo ajuda e a gente tratá-lo como se fosse somente mais um vagabundo. O que não à plausível é fazer de conta de que tudo que acontece de ruim na cidade onde moro é culpa do poder público.
O que tenho feito quando vejo um garoto em atitude suspeita? Tenho procurado aproximação com ele, querendo saber onde mora, quem são seus pais, o que fazem eles, se ele está na escola cursando que série? Ah, mas, isso é não da minha conta, eu não tenho nada a ver com isso. É problema da Prefeitura, do Conselho Tutelar, do Juizado da Infância. Mentira! É e tem que ser, também, meu problema, na medida em que eu vivo neste lugar e digo que quero bem a ele. Quando lavo as mãos, transformo-me num Pilatos moderno. Isso espírito de Natal, Natal o ano todo. O resto é anti-Natal.
A mídia, em geral, só contribui para que, cada vez mais, tudo isso se arraigue. É a chamada vida moderna, apressada, onde não há espaço para tergiversações a respeito de assuntos tão bonitos quanto é o Natal. As lojas precisam vender para desafogar as contas dos donos que compraram tudo e um pouco mais, para renovarem os estoques logo depois, as pessoas tem que comprar para não ficarem na contramão do modernismo, ou por não serem taxadas de coitadas porque não tiveram dinheiro para satisfazerem seus instintos consumistas.
A própria mídia tem no Natal seu período áureo do ano, porque é nesse período que tudo quanto é estabelecimento comercial abre os cofres para anunciar, a fim de chamar os clientes às compras. Com o Jornal do Comércio não é diferente, e nada há de errado na mídia também tirar o seu quinhão, pois como qualquer outro negócio, também tem os seus compromissos. Eu só acho, é que nós que somos desse segmento tão importante da sociedade moderna deveríamos tirar um pouquinho mais de tempo para refletir e, com a força inegável que temos, levarmos as pessoas a refletirem um pouco junto conosco a respeito deste assunto.
Certamente não vai faltar quem me pergunte, pessoalmente ou não, porque cargas d água eu resolvi escrever sobre este assunto, exatamente do dia 24 para o dia 25 de dezembro de 2011. Não teria sido mais oportuno ter tratado disso na edição passada do Jornal do Comércio, quando o assunto estava em plena discussão? Não, não seria. Não seria, porque, muito provavelmente ninguém prestaria a menor atenção.
Não fiz isso de maneira planejada, pois como disse no começo, a inspiração nasceu do fato de eu estar hospitalizado na noite de Natal, em Manaus. Todavia, agradeço por ter tido esse toque, pois tenho esperança de sair desta experiência a qual estou sendo submetido, que é minha enfermidade, uma pessoa melhor do que quando fui a ela compungido. Da mesma forma, vou me esforçar para que esta outra experiência – passar a noite de Natal num leito hospital – também me transforme num ser humano mais sensível ao sofrimento do meu irmão e às suas necessidades, ciente de que sempre terei como ajudar de alguma maneira, mesmo que seja com uma simples pergunta: Posso ajudar?
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