Publicado na edição 137 do Jornal do Comércio que está circulando desde hoje de manhã
A história de Alcimar Feitosa dos Santos se confunde com a de algumas centenas de pessoas da região Oeste do Pará, que foram para Manaus e venceram. Nascida em Santarém, no dia 23 de dezembro de 1972, tendo acabado de completar 49 anos, Alcimar é uma pessoa pra lá de especial, denominada por muita gente que a conhece como um autêntico anjo da guarda de incontáveis pessoas oriundas de municípios do Oeste do Pará, sobretudo de Santarém, que recorrem ao seu espírito de pura caridade. Professa a fé Espírita, ao que ela relaciona ter tudo a ver com o trabalho social inestimável que presta.
Filha de uma pessoa muito conhecida nos anos 1970/80, Alcindo dos Padres (porque ele trabalhou muitos anos para os padres do Seminário São Pio X), até casar, morou na travessa Sete de Setembro, perto da garagem do Salú. É casada com Paulo Von, ex-jogador de futebol em Santarém, onde trabalhava na Cobal.
A chegada - Chegou a Manaus em 1989, com o marido Paulo Von, tio do deputado estadual Alexandre Von, com a mudança no barco Miranda Dias, sem dinheiro para pagar, nem as próprias passagens, muito menos a mudança. Seu pai Alcindo e sua mãe Arimar estavam no porto a sua espera. Ela os informou da situação e eles disseram: amanhã seria outro dia, quando tudo seria resolvido. Só saiu com as malas. O Paulo colocou uma na cabeça, enquanto puxava outra falando alto: “Aqui está chegando mais um empresário em Manaus “, vaticínio que viria a se confirmar pouco tempo depois.
Com todos esses ingredientes, tendo ido morar com o marido e o filho Paulo Jr, na casa dos pais, o começo não poderia ter sido mais difícil. Poucos meses depois, sem nada definido para fazer, o jeito foi vender água, refrigerante e cerveja no carnaval de 1989. O primeiro dia foi um fracasso total. Porém, do segundo dia em diante, já com apoio de toda a família (suas três irmãs já moravam em Manaus há mais tempo, além dos pais) as vendas engrenaram e deu para ganhar um bom dinheiro para dar início a um pequeno negócio autônomo de venda. Depois disso, observaram que o comércio em geral rendia bastante dinheiro. Alugaram um ponto na Cidade Nova e começaram a tocar um marcadinho, que foi crescendo mais rápido do que eles próprios esperavam, negócio que durou sete anos.
“A gente foi encontrando gente conhecida da região, que me cobrava dizendo que eu tinha que colocar uma banca de comida, porque eu tinha a mão boa. Então, eu decidi colocar uma banca de tacacá na Cidade Nova, onde hoje é o Terminal 3. Além do tacacá, vendida churrasquinho. Aí o pessoal começou a pedir vatapá, pato no tucupi e outras iguarias, que eu dizia que não tinha como atender, porque aquilo era para ser apenas uma banca de tacacá. Mesmo assim, eu comecei a fazer e quando eu me dei conta a banca já estava cheia. Foi quando eu falei para o Paulo: olha, eu acho que esse negócio dá certo. Eu vou investir nisso.
Com a ajuda de minha irmã Alcinete nós alugamos um ponto ao lado de um posto de gasolina, perto do DB da Cidade Nova. Instalamos um pequeno restaurante, aproveitando a febre do pagode em Manaus, o que nos fez criar o Pagode do Posto, que fez um sucesso enorme por uns três anos. Vendíamos comidas em geral. Mas, o dono cresceu os olhos e tivemos que entregar o ponto. Alguns dias depois, quando eu me dirigia para o Centro da Cidade, na Avenida Airão, vi uma placa de aluga-se numa esquina, o que me pareceu um bom local. Liguei para o dono, o preço estava dentro de minhas possibilidades e eu aluguei o ponto onde nasceu o Canto do Pará”.
Ela começou levando apenas o próprio fogão de quatro bocas de sua casa, sua geladeira, uma mesa e quatro cadeiras de uma amiga, somando a mais uma mesa e quatro cadeiras cedidas por um amigo. Começou a trabalhar sozinha e o negócio cresceu, vendo que estava no caminho certo. “Mas, o mercadinho continuou, até o momento em que decidimos que deveríamos vender o mesmo, o que fizemos, investindo tudo no Canto do Pará, onde ficamos por dois anos.
Foi quando a clientela foi ficando mais refinada, mais exigente, o que nos fez analisar a necessidade de irmos para um lugar mais aconchegante. Saímos, então, dos Campos Elísios para o local onde estamos atualmente, na Rua Amsterdã, na Zona Oeste. São exigências que o mercado nos impõem, mas, não estamos reclamando de nada, pois durante todo esse tempo só temos feito crescer. Meu dia é muito corrido, começando por volta das 5:00 Hs da manhã, quando vou para a cozinha para adiantar tudo. Por volta das 7:00 Hs ou um pouco mais, já estou no ponto para sair de casa e resolver as coisas, sejam elas relativas ao restaurante, ou a esse trabalho de apoio que faço para nos nossos conterrâneos. Muitas vezes, faço os dois trabalhos de forma concomitante”, disse Alcimar.
Alcimar faz um trabalho de reconhecida importância na área social, sem buscar nenhum tipo de retribuição que não seja sua paz interior. Espírita, ela faz de seu exercício de caridade uma verdadeira missão. Afirma que sua doutrina dá mais força para isso. E não se trata de alguém que faz porque tem tempo de sobra.
Quem a procura? - “As pessoas que me procuram em busca de ajuda para resolver
problemas de saúde, a maioria chega com pouco dinheiro, fragilizadas, sem nenhum parente em Manaus. Enfim, chegam com todo tipo de carência que a gente se esforça para suprir. Eu preciso passar para a outra pessoa que chega assim, uma boa dose de segurança de que a gente vai conseguir resolver aquele problema. Isso se encaminha com esses grandes parceiro, de diversas especialidades, que nós conseguimos dentro da classe médica, dos quais muitos também são espíritas, enquanto outros, conhecidos ou conterrâneos que sempre nos atendem. Olha, eu vou falar de um número que me impressiona: da cada dez pessoas que chegam para fazer algum tipo de tratamento no Cecon, seis vêm do Pará”, afirma Alcimar.
Tanta gente tem o número de seu telefone, ao ponto de pessoas que ela nunca viu ligarem de Santarém, Alenquer, Monte Alegre e até de Itaituba pedindo que ela oriente ou encaminhe para atendimento médico. Muitos são portadores de câncer, que são por ela levados ao Cecon, que fica perto de sua casa. O Cecon é o centro de referência do Norte, relativo a essa doença. Ela faz tudo isso utilizando seu próprio carro e botando gasolina com dinheiro de seu bolso. É espírito de caridade, mesmo.
“Há todo tipo de situação que a gente enfrenta. Existem os casos em que os doentes chegam em estado razoável e dá para resolver com os médicos amigos que temos. Porém, existem inúmeros casos em que as pessoas chegam desses nossos municípios do Oeste do Pará, a maioria de Santarém, em que já não há quase nada para ser feito para curar o doente. Acompanho cada caso e já perdi a conta dos que terminaram morrendo, sem terem um único parente em Manaus. Nesses casos a gente tem que correr para tomar as providências para mandar o corpo para a cidade de origem. Essa é a parte mais triste desta missão. Mas, é a vida. Chega a hora de desencarnar e aí nada pode ser feito.
Com todos esses anos fazendo isso, já se vão mais de 15 anos, a gente terminou criando uma grande rede de amizade no meio da classe médica, dentro da maioria das especialidades. Em parte pelo contato que a gente teve que manter, mesmo quando não conhecia muitos deles, parte porque muitos médicos e médicas também professam a fé Espírita, tendo esse mesmo entendimento que eu e minha família temos da importância de praticar a caridade. Nisso, eu tenho sido muito ajudada por minha irmã Lacinete, que é fisioterapeuta muito bem conceituada em Manaus, que tem sua própria clínica há muitos anos”.
Sinésio - “Não é apenas a Alcimar quem faz tudo isso. Faço minha parte, não nego, mas, isso é fruto dessa rede de amigos e família. Sozinha não iria muito longe. Como nunca fui, nem pretendo ser candidata a nenhum cargo político, o que faço, o faço com muito amor e dedicação. Há situações nas quais a gente precisa da ajuda de um político de peso, que abra alguma porta mais travada. Nessas horas eu recorro ao meu amigo particular, o deputado estadual Sinésio Campos, nascido no Aritapera, em Santarém. Seu gabinete está sempre apostos para resolver qualquer problema mais complicado.
Por causa de minha amizade com o Sinésio, que frequenta o nosso restaurante, que faz parte da União dos Paraenses de Manaus, muita gente pensa que eu sou sua assessora. Recebo constantes telefonemas dessas cidades do Oeste do Pará, de pessoas que não me conhecem, mas, estão precisando de algum tipo de apoio, querendo falar com a senhora Alcimar, assessora do deputado Sinésio Campos. Eu trato de explicar que somos muito amigos, mas, sem nenhum vínculo com o trabalho dele”, afirma Alcimar.
Plebiscito - Instada sobre outro trabalho importante que fez junto com tantos outros conterrâneos bem sucedidos que já moram em Manaus há muitos anos, o apoio para o Plebiscito do dia 11 de Dezembro de 2011, ela respondeu que o que motivou, tanto ela, quanto os demais, foi o conhecimento da falta de estrutura, mormente no setor de saúde e na falta de perspectivas para o futuro das pessoas que vivem na maioria desses municípios. Ela e os outros são convencidos de que a criação do estado do Tapajós não resolveria todos os problemas de uma vez. Entretanto, com bons governos, haveria possibilidade de diminuir consideravelmente as demandas dessas cidades e de seus munícipes, como uma melhor assistência no setor da saúde, geração de milhares de empregos, recolhimento de mais tributos. Então, tinha tudo para dar certo, mas, a elite de Belém não quer perder a colônia.
O último grande evento realizado pouco antes do plebiscito foi parar na mídia nacional, porque foi questionado por autoridades de Belém. Foi a reunião de um grande número de artistas da região do pretenso estado do Tapajós, num espetáculo musical intitulado Canta Tapajós, o qual, além de um grande show artístico, foi mais uma oportunidade para reafirmar, mesmo que sem dizer uma só palavra sobre o assunto, por estar no foco na Justiça Eleitoral de Belém, que os paraenses do Oeste queriam porque queriam o novo estado. Alcimar concluiu dizendo que essa batalha, em parte foi perdida, porque o resultado do plebiscito foi desfavorável aos que queriam a emancipação, mas, que o UNESPA, entidade que reúne as mais diversas associações dos municípios os quais tem gente vivendo aqui, informa que está estudando juridicamente, o que poderá ser feito num futuro próximo, por outros caminhos que não mais o plebiscito. Mas, Alcimar conclui afirmando que para ela e para seus amigos, assim como para todos do Oeste do Pará, que tanto sonharam com a emancipação que não veio, o sonho do estado do Tapajós não morreu. Apenas, foi adiado por mais algum tempo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário