quinta-feira, setembro 16, 2010

O viajante solitário da Expedição Brasil - cap. 4

Sergipe é o menor estado da federação brasileira, com apenas 21.940 km2, cabendo quase três vezes dentro do território de Itaituba, que tem 62.947 km2. Por isso, só precisei de pouco mais de três horas para atravessar toda sua extensão de Norte a Sul, mesmo diante das vicissitudes que tive que enfrentar, dentre elas, a viseira do meu capacete, cujas presilhas laterais que a prendiam ficaram pelo caminho, desgastadas que estavam, depois de enfrentar a jornada da volta de moto pela América do Sul.


Aquele 11 de abril foi meu primeiro domingo na estrada nessa nova aventura, e de longe, o dia mais complicado de todos. Primeiro, porque tive que pilotar sem a viseira, segundo, por causa da chuva que enfrentei duas horas e meia depois que deixei Própria, cidade sergipana mais ao Norte, na divisa com Alagoas, divisa essa feita pelo Rio São Francisco. E encarar chuva, direto no rosto, não é brincadeira. Cada pingo d’água que batia na cara parecia queimar a pele.


Às 11:05, finalmente apareceu um posto de combustível para eu me abrigar. Fiquei parado por mais de uma hora e meia, até que a chuva deu uma trégua, sem parar totalmente. Tive que meter a cara, pois tinha muito chão pela frente. Continuei a uma velocidade de 60 ou 70 km/h, pois sem viseira não havia como correr mais.


No planejamento que fazia a cada amanhecer, programei-me para dormir na cidade de Cruz das Almas, que fica no centro da Bahia, distante uns 50 km de Salvador, em linha reta. Só não contava que o segundo tempo da chuva seria ainda mais pesado. Na medida em que fui me aproximando de Aracaju a chuva foi aumentando. Somente muito depois que passei ao largo da capital sergipana a chuva deu um tempo. Foi só então que eu pude avançar com um pouco mais de velocidade. Tive que abdicar do almoço para poder chegar ao meu destino.


Cheguei a Cruz das Almas às 17:20, quando a tarde caía. A cidade parecia muito quieta, com pouca gente na rua. Tive até dificuldade para encontrar alguém que me indicasse um hotel com preço razoável. Uma senhora mostrou-me uma pousada pertinho da praça principal, onde está a igreja de Nossa Senhora do Bom Sucesso, padroeira da cidade, cuja festa é, também, no dia 8 de dezembro, como a de Nossa Senhora da Conceição.


Saí de Propriá determinado a descobrir a origem do nome da cidade de Cruz das Almas. Que nome mais esquisito! Existem duas versões que explicam a origem do nome da cidade. A primeira o atribui à existência de um cruzeiro na antiga Estrada de Tropas, onde o povo se reunia para novenas e rezar pelas almas. A segunda versão, de caráter sentimental, conta que alguns fundadores da vila, portugueses, teriam batizado a nova povoação com o nome de sua terra de origem a Cruz das Almas de Portugal.


O dono da pousada onde fiquei, Antônio Fraga, foi um bem sucedido vendedor de livros até o ano de 1988. Naquele ano ele estava morando em Mossoró, quando foi chamado pelos pais para tocar o negócio que os velhos tinham, a pousada, decisão da qual ele diz que se arrepende, pois se considera um prisioneiro, conquanto acostumou-se a andar por todo o Brasil e até por alguns países sul-americanos.


Do alto dos seus 72 anos sente-se a nostalgia dos tempos em que vivia viajando. O Antônio é um bom papo, daqueles que alguém como eu, que também gosta de virar o mundo aprecia. Passei um longo tempo conversando com ele, que conhece o Pará de ponta a ponta. Antônio ficou muito interessado na história das minhas aventuras. Antes de se recolher para dormir ele me procurou para dizer que meu pernoite ali seria cortesia da casa, o que me deixou muito satisfeito, muito mais pelo gesto, do que pelo preço, que era bem baixo. **********

Segunda, 12 de abril, tomei café na pousada para não ter que parar mais adiante. Fui ao banco sacar dinheiro e seguir com programação para pernoitar em Teixeira de Freitas, distante 658 km. De lá para a fronteira com o Espírito Santo são apenas 75 km pela BR 101. Cometi um erro que me atrasou um pouco, uma vez que saí de Cruz das Almas sem comprar um capacete novo. Ainda rodei por longos 148 km com o capacete sem viseira. Somente em Gandu eu parei para comprar um capacete. Aqueles R$ 130,00 não estavam no meu planejamento inicial. Mas, fazer o que? Pilotar com capacete sem viseira é que não daria. Mas, os gastos extras estavam previstos.

O dia transcorreu sem grandes novidades. A BR 101 continuava muito boa, com exceção de alguns pequenos trechos. Mas, o tráfego é pesado. Pilotar com prudência é uma questão de sobrevivência. Com jeito vai-se longe.


O Açaí da Bahia – A maior novidade do dia foi encontrar, em plena rodovia, o Açaí da Bahia, um lugar onde se vende esse produto altamente consumido e conhecido dos paraenses. E o Açaí da Bahia, é da Bahia, mesmo. Os donos já plantaram mais de 100 mil pés, de onde tiram o fruto que é vendido nas lanchonetes da empresa. Eles vendem o açaí como uma vitamina dessas que a gente toma nas nossas lanchonetes. Só, que podendo ser misturado com várias frutas. Também há o açaí puro. Eu pedi um a qual foi adicionado mamão. Predomina o sabor do açaí e confesso que gostei da mistura. Aproveitei para fazer fotos do local e junto com os dois funcionários.


Toquei para frente para não anoitecer na estrada. O relógio marcava 18:10 quando entrei em Teixeira de Freitas, completamente escuro, por causa da ameaça de chuva que pairava do ar. Trata-se de uma cidade maior do que Itaituba, com população estimada em 125 mil habitantes, a qual tem um trânsito muito movimentado. Fiquei na Pousada Ipanema, na rua da entrada da cidade, preço bom, asseada e com um bom restaurante.


A chuva prometida na chegada deixou para cair na hora da saída. Eu precisava ir ao banco sacar dinheiro, pois não tinha quase mais nada no bolso. A gasolina estava acabando. Cheguei ao Bradesco muito antes dos funcionários. Nem imaginava que teria que esperar o gerente chegar, pois na primeira tentativa a máquina bloqueou meu cartão. Felizmente, o gerente foi bastante solícito, resolvendo o problema em menos de meia hora. Não sem antes levar outro susto, quando uma funcionária que estava cuidando do meu caso veio me dizer que minha identidade não estava conferindo. Mostrei a ela carteira de motorista, passaporte, PID e até carteira de vacina, já um tanto irritado. Fiquei bem apreensivo com aquela situação, pois já estava bem longe de casa. Mas, foi tudo resolvido a contento.


O dia, que não tinha começado bem para mim, quase complica de vez, por minha culpa. Aconteceu meia hora depois de deixar Teixeira de Freitas. Havia um grande número de urubus na beira da estrada. O mínimo que eu teria que fazer seria passar por eles bem devagar. Mas, longe disso. Passe a quase 100 km por hora.


Os urubus voaram em debandada, quase todos no sentido de onde estavam, mas, um, resolveu voar na minha direção, chocando-se contra o guidão da moto, no meu lado esquerdo. Ao bater no guidão ele foi de encontra à minha mão esquerda. O impacto machucou bastante minha mão, que por mais de uma hora doeu muito. Cheguei a pensar que tivesse havido alguma fratura. Para minha sorte, foi apenas o baque, sem nenhuma outra conseqüência. Como bom botafoguense, que não dispensa ao menos um pouco de superstição, confesso que fiquei um tanto preocupado com o que poderia acontecer no restante do dia. Mas, nada mais de anormal aconteceu o dia todo.

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