segunda-feira, março 15, 2010

A volta da América do Sul de moto - A Expedição, tintim por tintim - Capítulo 23

Pouco depois de quatro da tarde daquele 15 de novembro de 2008 nós chegamos à placa que anuncia a cidade de Itapiranga à frente. Faltavam três quilômetros para a entrada Norte da cidade natal do amigo Jadir. Um motoqueiro amigo dele, que tinha ouvido na rádio local, notícias sobre a nossa chegada, estava esperando a gente pra lá de empolgado. Quando paramos ele disse que mal podia acreditar que estava ao lado de dois motoqueiros que estavam fazendo a volta pela América do Sul, de motocicleta, sendo que um desses motoqueiros era seu conterrâneo.

Escoltados por um batedor solitário, entramos em Itapiranga perto de cinco da tarde. A irmã do Jadir, a Rita, já estava nos esperando. Depois de uns chopes que eles tomaram, acompanhados do Miguel, cunhado do meu parceiro de viagem, fomos para a casa deles, que foram nossos anfitriões por quatro dias muito agradáveis. Na medida em que a noite foi chegando, mesmo sendo pleno meado de novembro, a temperatura caiu bastante. Seu Arno, pai do Jadir e mais o Flávio, professor que trabalho com ele na FAT, em Itaituba, chegaram para o churrasco que o Miguel preparou, o qual rolou até depois de meia-noite, regado a chope. Afinal de constas, fazia tempo que meu amigo não se encontrava com seus familiares e com os amigos de lá, além do que os viajantes tinham muita coisa para contar da viagem.

16.11.2008 – Levantamos depois das nove da manhã, já com programação completa para o domingo. Pegamos as motos e fomos até a Linha Santo Antônio. Aqui cabe uma explicação para os leitores: linha, para o pessoal daquela parte do Brasil significa uma comunidade. Chegando lá, encontramos uma enorme festa rolando, com um grupo musical tocando música regional e muita gente dançando, enquanto tantos outros comiam. Fiquei meio deslocado, porque entre todo aquele pessoal, eu só conhecia o Jadir, mas logo me enturmei, pois fui bem acolhido por todos. Pude confirmar a força da colônia alemã. Praticamente todo mundo em Itapiranga fala alemão. É comum a gente chegar onde há algumas pessoas reunidas, todas falando alemão com a maior naturalidade. Impressionou-me o tamanho da churrasqueira e quantidade de carne colocada na mesma. Outra coisa que chamou muito minha atenção foi o tamanho e a estrutura dos clubes sociais das comunidades do interior. A sede onde fomos tem dois pavimentos, liberada pelo Corpo de Bombeiros para mais de mil pessoas. Isso é comum por lá.

Neste dia 16 de novembro recebi um recado do amigo Jubal, passado por minha mulher Marlene. Ele mandou dizer para nós voltarmos por Belém, onde deveríamos embarcar nossas motos lá, com destino a Santarém e depois para Itaituba, retornando de avião da capital do Estado. De jeito nenhuma deveríamos enfrentar a parte de terra da Transamazônica, uma vez que existia muito perigo de assalto. Havia algumas histórias de caminhoneiros que tinham ficado só de cuecas, ônibus eram assaltados com certa freqüência, além de alguns homicídios. Mas, nós estávamos determinados a chegar a Itaituba em cima de nossas motos.

Em Itapiranga, pela primeira vez na viagem, desde Manaus, minha moto passou por uma revisão mais detalhada, tendo sido trocado o kit (corrente, coroa e pinhão), pastilhas do freio traseiro, pois eu cheguei lá quase sem freio, foi limpo o filtro de ar e foi trocado o óleo do motor. O pessoal da Transcar, a concessionária Yamaha da cidade foi muito legal, pois além de ter concedido um bom desconto nas peças, não cobrou a mão de obra. O Jadir conhece todo mundo na cidade e isso facilitou as coisas. Fiquei a segunda-feira a pé, o que me deu a oportunidade de conhecer o comércio da cidade com tranqüilidade. Visitei algumas lojas apenas para abelhudar.

Um pouco sobre a cidade - Itapiranga nasceu da idéia dos dirigentes da Sociedade União Popular, do Rio Grande do Sul, de criar um núcleo de colonização para germânicos católicos na década de 1920. Depois de percorrer 150 km em embarcações rústicas, navegando pelos rios da Várzea e Uruguai, os desbravadores, chefiados pelo missionário padre Max Von Lassberg, chegaram a Porto Novo, que em 10 de abril de 1926 se transformaria em Itapiranga – “pedra vermelha” em tupi-guarani. Loliza-se na margem direita do Rio Uruguai.

A cidade de Itapiranga é um minúsculo município do Sudoeste de Santa Catarina, com uma área de apenas 280 km2. Cabe 221,5 vezes dentro do território de Itaituba. Mas, a renda per capta da população é de R$ 22.447,00, enquanto a de Itaituba é de R$ 4.686,00. Tinha naquele período, e de lá para cá deve ter mudado muito pouco, cerca de sete mil habitantes. É um lugar onde a gente não vê um papel de bombons jogado na rua. A rua do comércio é toda ajardinada, sendo cuidada diariamente. Dá gosto de ver. O revelo é bastante acidentado. Lá, só não trabalha quem não quer, pois a oferta de empregos é expressiva. Estão instaladas na cidade, empresas multinacionais, além de outras nacionais. Empresas do porte da Cargil, da Bunge e da Seara geram muitas centenas de empregos. Só a Seara empregava na época, mais de três mil pessoas. Diariamente chegam dezenas de ônibus de cidades próximas, lotados de trabalhadores, conquanto Itapiranga não tem mão de obra suficiente para preencher todas as vagas. A suinocultura, a criação de frangos e a pecuária leiteira são pilares da economia de Itapiranga, cuja população tem uma qualidade de vida muito boa. Isso vale, tanto para a cidade, quanto para o interior. Produtores rurais têm boas casas de alvenaria, com energia elétrica, água encanada, TV por assinatura, um bom carro na garagem, máquinas agrícolas, mesmo tendo eles pequenas propriedades. Eles utilizam métodos modernos de cultivo da terra. Por isso, têm uma alta produtividade.

O Miguel, cunhado do Jadir, disse que nós éramos malucos, pois estávamos viajando com quase nenhuma estrutura. Na ocasião eu contei a ele o episódio ocorrido em Paso de Jama, na fronteira da Argentina com o Chile, já em território argentino. Lá nós encontramos meia dúzia de motoqueiros uruguaios, todos endinheirados. O mais pobre pilotava uma 350 cilindradas. Dois ou três estavam em motos 1.200 cilindradas. Contavam com carro de apoio com tudo do bom e do melhor. Fomos conversar com eles, que ficaram muito admirados com a nossa coragem e determinação. O Jadir disse a um deles: “quero ver vocês enfrentarem a jornada em motos do porte das nossas. Nessas de vocês e com toda essa infra-estrutura é moleza”. E eles só iriam percorrer algo em torno de uns cinco mil quilômetros.

Ainda naquela segunda-feira, 17 de novembro, nós fomos até a Rádio Itapiranga AM para sermos entrevistados ao vivo. Fiquei impressionado com a audiência da emissora, pois quando saímos de lá fomos cumprimentados por várias pessoas que tinham ouvido nossa entrevista. Quem não sabia ficou sabendo da história dos dois loucos do Pará. Ficamos mais três dias na cidade, descansando. Nesse ínterim surgiu o convite para a gente fazer uma palestra FAI (Faculdade de Itapiranga), que é um complexo enorme, com uma série de cursos. Para lá vão, além dos filhos da cidade, estudantes de diversos outros municípios. Mas, isso fica para o próximo capítulo.
Esta matéria está na edição do Jornal do Comércio que circulará amanhã de manhã

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