Hotéis caros, hoteis mais em conta e pousadas da pequena San Pedro de Atacama (Chile) estavam quase todos lotados naquele 11 de novembro de 2008. Chegamos a um hotel com uma entrada simples, mas, por dentro percebia-se que o preço não devia ser dos menores. dito e feito! O recepcionista nos informou que um apartamento duplo custava 80 euros, totalmente fora do nosso orçamento.
Depois de percorrer a cidade quase toda - e não deu muito trabalho, porque San Pedro é bem pequena - encontramos um lugar que tinha dois quartos individuais desocupados, ao preço para lá de convidativo: U$ 7,00 (sete dólares americanos) por pessoa. Aquilo foi um verdadeiro achado, um milagre, pois até lá estava repleto de gringos. Ficamos muito contentes, pois já estava começando a cair a temperatura.
San Pedro (2.440 metros acima do nível do mar), por ficar no meio do deserto de Atacama, o mais alto e mais árido do mundo, tem a conhecida, brusca e perigosa mudança de temperatura, ou amplitude têrmica. De dia faz calor, enquanto à noite o termômetros despenca. A amplitude térmica pode de ir de 0º pela parte da noite a 40º durante o dia. Nós já tínhamos vivido essa experiência, sentindo na pele os rigores de tão grandes variações de temperatura. Àquela altura, eu e o Jadir já tínhamos aprendido a lição. Jamais voltaríamos a anoitecer pliotando nossas motos no deserto.
Mesmo sendo muito pequena, São Pedro de Atacama tem em seu passado uma rica e vasta história. Os primeiros habitantes se instalaram num oásis há cerca de 11 mil anos. Deixaram de ser nômades, desenvolveram a agricultura e a irrigação artificial. No século passado foram cavados alguns poços profundos para abastecer de água a população e os visitantes. Existe um pouco de verde, de algumas centenas de árvores. Os moradores de lá sabem que precisam fazer uso racional da água e passam isso para os visitantes. Nos banheiros a gente encontra uma advertência em placas bem legíveis com os dizeres: economize água. Lembre-se que estamos no deserto.
Pessoas conscientes que somos a respeito da importância do uso racional de qualquer bem da natureza, tomamos um bom banho, cuidando para não demorar mais do que o estritamente necessário. Água quente, pois já fazia um frio que incomodava. Saímos para jantar por volta da sete horas da noite, tentando encontrar um lugar onde fosse servida uma boa comida, se possível, com preço razoável. E foi nesse particular que nos demos muito mal.
Paramos num restaurante que funcionava numa construção rústica, atendendo às exigências do gosto de quem vai lá para gastar muito. Até hoje nos perguntamos por que não fomos procurar um lugar mais em conta. Antes de olhar o cardápio o Jadir começou perguntando o que havia para beber. Como a atendente já tinha sido informada por nós, que éramos brasileiros, foi logo dizendo que havia caipirinha. O Jadir pediu uma, e depois outra. Eu, que não bebo nada que contenha alcoól, contentei-me com uma coca em lata.
Pedimos a comida, que estava bem deliciosa, a qual devoramos sem demora, pois a gente estava com o café da manhã, naquele dia. O susto veio na hora que pedimos a conta. Eu quase caí para trás, pois, convertando para o nosso Real, pagamos o equivalente a R$ 62,00. Só o preço da caipirinha, que a gente só ficou sabendo na hora de pagar, pois imaginávamos que fosse parecido com o Brasil, custou R$ 14,00.
A moça que nos atendeu ainda informou que se a gente quisesse poderia dar a ela uma gorjeta de dez por cento do valor da conta. Eu, que já estava para lá de zangado com aqueles valores, disse que não queria dar gorjeta. Ela não achou a menor graça na minha atitude, acostumada que estava de receber gordas recompensas dos gringos, os outros gringos.
Depois de uma boa noite de sono levantamos pouco depois das seis e meia da manhã. No hotel tomamos um café reforçado, que daria para garantir até bem mais adiante. Sabíamos que não encontráriamos nenhuma casa por muitos quilômetros. Às oito horas já estávamos na fila da aduana chilena, não demorando muito para sermos liberados. Dali percorreríamos 160 quilômetros até a fronteira com a Argentina, em Paso de Jama.
Cinquenta e cinco quilômetros ao sul de San Pedro encontramos o primeira grande salina, o Salar Atacama, onde tiramos muitas fotos e fizemos algumas filmagens. É um enorme deserto de sal, até onde a vista alcança. Achamos que encontraríamos água em estado líquido, pois foi isso que vimos. Porém, quando chegamos ao local e tocamos, vomos que se tratava de água salgada congelada, sobre a qual andamos.
No trecho de San Pedro de Atacama até a fronteira com a Argentina passamos muito frio. Não dispúnhamos de termômetros, mas, com a água salgada estando congelada dá para fazer uma idéia. Além desse, outro incoveniente que nos atrapalhou muito foi o vento forte lateral que soprava. Houve momentos em que, tanto eu quanto o Jadir pensamos que seríamos jogado para fora da estrada, tal a violência.
Quando estávamos saindo da Salar de Ataca-ma passou uma carreta com placa de Chapecó, Santa Catarina. O Jadir conhecia a empresa e disse que talvez conhecesse o motorista. E não é que conhecia mesmo!
Encontramos o carreteiro em Paso de Jama e, para maior surpresa o cara era da Itapiranga, terra do Jadir. Aí, rolou uns bons minutos de conversa até a gente ser liberado para seguir em frente.
Nosso destino era San Salvador de Jujuy, no norte da Argentina. Seguimos adiante, ganhando o máximo de terreno, percorrendo ainda muitos quilômetros do deserto de Atacama, encontrando algumas criações de lhamas.
No caminho encontramos diversas outros salares, sendo que em um deles havia até máquinas trabalhando e nós não enxergávamos o final. Também encontramos diversas manadas de jumentos selvagens vivendo numa vegetação rasteira que antecede os pampas.
Almoçamos em Rio Chico, depois de uma e meia da tarde. No posto de combustível, onde fomos abastecer, o frentista com cara e modos de poucos amigos, enquanto eu me esforçava para mandar para brasa no melhor do meu portunhol, disse que eu falava como boliviano. Até hoje não sei se aquilo foi um elogio ou uma crítica azeda, parecendo-me muito mais provável a segunda hipótese.
Dentro de três horas e meia nós estaríamos entrando na bonita e muito bem cuidada cidade de San Salvador de Jujuy, capital da província do mesmo nome, onde a moto do Jadir viria a passar por mais uma manutenção.
Publicado na edição 95 de Jornal do Comércio, que está circulando hoje
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