Todo mundo está careca de saber que a carga tributária, no Brasil, é excessiva. Mesmo os carecas ficam com os cabelos em pé quando se lembram que o equivalente a quase 40% da produção total do país é desviado para os cofres públicos.
Há uma sensação generalizada de que o governo promove um ataque em pinça ao bolso do cidadão, sem uma contrapartida minimamente condizente com o que arrecada. Em resumo, é consenso que a carga tributária é alta, muito alta. Pelo menos uns 10 pontos percentuais acima da média das economias semelhantes à nossa.
Não existe vivente que discorde do fato de que os serviços de saúde, educação e segurança, entendidos como atribuições básicas do Estado e em nome dos quais, em teoria, se promove o botim tributário, são mais do que precários. Não é de hoje que se formou a convicção de que, no Brasil, tributa-se como na Suíça, mas o retorno sob a forma de bem-estar social propiciado por essa tributação se parece com o oferecido em Uganda.
Causa muito menos estridência, no entanto, o fato de que, além de ser alta, a carga tributária é muito, mas muito mal distribuída. A grita costuma aumentar quando o contribuinte se defronta, como agora, com a obrigação de fazer a declaração anual de imposto de renda. Alcançada pelas garras do leão fiscal essa parcela da população, que não chega a 10% do total, se sente vítima impotente de uma expropriação.
Não se trata de um sentimento fora de propósito. Só que, quem quiser que não acredite, esse grupo de brasileiros com alguma renda para ser taxada, do ponto de vista tributário, é privilegiado. Qualquer sistema tributário que mereça o nome obedece ao princípio segundo o qual quem pode mais paga mais. Não no Brasil. Aqui paga mais impostos quem pode menos. Talvez porque a voz das maiores vítimas quase nunca seja ouvida, disso se fala quase nada.
Se a carga tributária média anda beirando sufocantes 40% da renda, o que dizer da constatação de que, para os que recebem até dois salários mínimos, a carga vai a 49% da renda, enquanto os que ganham acima de 30 mínimos suportam uma carga de 26%? Com requintes de ineficiência: consideradas as diversas faixas de renda, a inversão obedece a uma escala perfeita, taxando mais forte na exata e inversa medida da renda. Dá a impressão de que, se algum gênio tributário fosse contratado para fazer esse serviço sujo, jamais alcançaria tal precisão.
O “milagre” acontece porque contribuições, taxas e, principalmente, impostos indiretos têm, no sistema tributário brasileiro, um peso muito maior do que os impostos diretos. Como mostra um estudo recentíssimo da Fipe/USP, realizado sob encomenda da Federação de Comércio paulista, os impostos indiretos, cobrados de forma uniforme de ricos e pobres, no consumo de produtos, respondem por 90% da carga tributária dos mais pobres e por menos de 60% do que é pago em impostos pelos mais ricos.
O santo que faz o milagre acontecer é a combinação perversa de pobreza com má distribuição de renda. Como a soma das rendas não é lá essas coisas, os governos descobrem que, para arrecadar mais, têm de cobrar impostos sobre o consumo, o faturamento, a folha de pagamento.
Isso também explica por que, no Brasil, entre outras distorções tributárias, os alimentos são tão duramente taxados, sobretudo nas regiões mais pobres, com a carga média sobre a comida chegando perto de 25%. A lógica econômica informa que, quanto mais baixa a renda, maior tende a ser, proporcionalmente, o consumo de bens essenciais, princípio que vale tanto para as pessoas e famílias como para as sociedades.
Vai daí que, se não embutirem impostos nos alimentos e outros bens essenciais, do que viverão os estados? É o fim da picada, mas faz sentido. Assim, caímos num círculo vicioso e não mais sabemos se o sistema é distorcido porque a renda é concentrada ou se a renda concentrada leva à sua distorção.
Sistemas tributárias são como impressões digitais das sociedades. Robin Hood às avessas, o sistema tributário brasileiro faz parte da famigerada lista de peculiaridades tupiniquins que contribuem para manter concentrada, década após década, a renda pessoal e regional.
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