O secretário de Segurança do Rio diz que droga é problema de saúde, não de polícia – e que a descriminalização do uso não pode passar deste governo
Tossindo forte, “com uma farmácia na bagagem”,
Beltrame aproveita a viagem de uma semana para ler O homem que amava os
cachorros, livro do cubano Leonardo Padura sobre o assassinato do
revolucionário Leon Trótski, em 1940, a mando do líder da União Soviética,
Josef Stálin. Está em um hotel sem luxo, ao lado da Sorbonne, em Paris. Na
pasta preta, o documento de cima o amolece. É um desenho feito pelo garoto
Francisco, de 5 anos, filho de Beltrame. Mostra pai e filho de mãos dadas. “O
Francisco fez para eu me lembrar dele na viagem.” Horas antes de pegar o trem
para ir a Nice abrir um seminário sobre Cidades inovadoras, Beltrame falou a
ÉPOCA sobre bandidos, policiais, cidadãos e drogas.
ÉPOCA – O que o senhor aprendeu nesta viagem?
José Mariano Beltrame – Fiquei encantado com a descriminalização das drogas em Portugal. De todas as drogas, inclusive heroína, cocaína. O programa começou em 2000. No Brasil, não pode passar deste governo a descriminalização do uso.
José Mariano Beltrame – Fiquei encantado com a descriminalização das drogas em Portugal. De todas as drogas, inclusive heroína, cocaína. O programa começou em 2000. No Brasil, não pode passar deste governo a descriminalização do uso.
A guerra à droga é perdida, irracional. Podemos
começar pela maconha. Convidei os portugueses para ir ao Brasil na Semana do
Policial, em novembro, e contar a experiência de seu país. Em Portugal, o
assunto “drogas” não está inserido na polícia, mas no Ministério da Saúde. Com
a ajuda de juízes, procuradores, psicólogos, médicos, e integrantes da
sociedade civil. A polícia pega o usuário e ele é convidado a participar de
encontros. São 90 clínicas em Portugal, completas com toda a assistência,
voluntários e visitas. E uma comissão fiscaliza isso. Todos se juntaram para
combater essa doença, porque o vício é uma enfermidade, e não
um crime. Sem vaidade, sem luta de poder.
"No Brasil, tiro fuzis da polícia, mas a
população continua a querer se armar. Estamos em retrocesso"
ÉPOCA – No Brasil, estamos longe desse consenso...
Beltrame – No Rio, as UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora) são uma forma de reconhecer o problema da droga, mas não abordar de uma forma belicista. Nunca foi nosso objetivo acabar com as drogas. É impossível. Parece que os brasileiros não acordam para o desperdício dessa guerra. Não existem vitoriosos.
Beltrame – No Rio, as UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora) são uma forma de reconhecer o problema da droga, mas não abordar de uma forma belicista. Nunca foi nosso objetivo acabar com as drogas. É impossível. Parece que os brasileiros não acordam para o desperdício dessa guerra. Não existem vitoriosos.
Descriminalizando o uso, um dos efeitos é o alívio
na polícia e no Poder Judiciário, que podem se dedicar aos homicídios, aos
crimes verdadeiros. Mas, olhe só: o governo federal está preparando um plano
nacional de redução de homicídios sem consultar os Estados. Eu não fui
consultado. Como não ouvir as secretarias estaduais para aprender com acertos e
erros? Espero que o plano não envolva só questões policiais. Que venha com o
foco de recuperar mecanismos sociais para prevenir a violência. A polícia nada
mais é que a seta.
ÉPOCA – O senhor é a favor do desarmamento. Como vê
as pesquisas, no Brasil, que vão em sentido contrário?
Beltrame – Nos Estados Unidos, o presidente Barack
Obama vai à televisão se colocar pessoalmente contra a venda
indiscriminada de armas, que certamente contribuiu para o massacre de
negros por um jovem branco (na cidade de Charleston, em 17
de junho). Não importa se é no Alabama ou em Louisiana, o presidente não
foge de tomar uma posição, e diz: “Se não foi possível regular as armas, temos
como nação a obrigação de resolver o problema”. No Brasil, estamos em
retrocesso. Eu tiro fuzil de policiais, levo uma surra quando tento
tirar armas de bombeiros e uma grande parte da população continua querendo se
armar.