Os alunos de renda mais alta conseguem ocupar a maior parte
das vagas nos estabelecimentos públicos, enquanto aos pobres restam as
faculdades pagas
Numa abordagem mais ampla dos efeitos da maior crise fiscal de que
se tem notícia na história republicana do país, em qualquer discussão sobre
alternativas, a lógica aconselha a que se busquem opções para financiar
serviços prestados pelo Estado. Considerando-se que a principal fórmula usada
desde o início da redemocratização, em 1985, para irrigar o Tesouro — a criação
e aumento de impostos — é uma via esgotada.
Mesmo
quando a economia vier a se recuperar, será necessário reformar o próprio
Estado, diante da impossibilidade de se manter uma carga tributária nos
píncaros de mais de 35% do PIB, o índice mais elevado entre economias
emergentes, comparável ao de países desenvolvidos, em que os serviços públicos
são de boa qualidade. Ao contrário dos do Brasil.
Para
combater uma crise nunca vista, necessita-se de ideias nunca aplicadas. Neste
sentido, por que não aproveitar para acabar com o ensino superior gratuito,
também um mecanismo de injustiça social? Pagará quem puder, receberá bolsa quem
não tiver condições para tal. Funciona assim, e bem, no ensino privado. E em
países avançados, com muito mais centros de excelência universitária que o
Brasil.
Tome-se
a maior universidade nacional e mais bem colocada em rankings internacionais, a
de São Paulo, a USP — também um monumento à incúria administrativa, nos últimos
anos às voltas com crônica falta de dinheiro, mesmo recebendo cerca de 5% do
ICMS paulista, a maior arrecadação estadual do país.
Ao
conjunto dos estabelecimentos de ensino superior público do estado de São Paulo
— além da USP, a Unicamp e a Unifesp — são destinados 9,5% do ICMS paulista. Se
antes da crise econômica, a USP, por exemplo, já tinha dificuldades para pagar
as contas, com a retração das receitas tributárias o quadro se degradou. A
mesma dificuldade se abate sobre a Uerj, no Rio de Janeiro, com o aperto no
caixa fluminense.
Circula
muito dinheiro no setor. Na USP, em que a folha de salários ultrapassa todo o
orçamento da universidade, há uma reserva, calculada no final do ano passado em
R$ 1, 3 bilhão. Mas já foi de R$ 3,61 bilhões. Está em queda, para tapar rombos
na instituição. Tende a zero.
O
momento é oportuno para se debater a sério o ensino superior público pago. Até
porque é entre os mecanismos do Estado concentradores de renda que está a
universidade pública gratuita. Pois ela favorece apenas os ricos, de melhor
formação educacional, donos das primeiras colocações nos vestibulares. Já o pobre, com formação educacional mais frágil, precisa pagar a faculdade
privada, onde o ensino, salvo exceções, é de mais baixa qualidade. Assim,
completa-se uma gritante injustiça social, nunca denunciada por sindicatos de
servidores e centros acadêmicos.
Levantamento
feito pela “Folha de S. Paulo”, há dois anos, constatou que 60% dos alunos da
USP poderiam pagar mensalidades na faixa das cobradas por estabelecimentos
privados. Quanto aos estudantes de famílias de renda baixa, receberiam bolsas.
Além
de corrigir uma distorção social, a medida ajudaria a equilibrar os orçamentos
deficitários das universidades, e contribuiria para o reequilíbrio das universidades, e contribuiria para o reequilíbrio das
contas públicas.
Editorial assinado por João Roberto Marinho,
publicado no jornal O Globo, ontem, domingo.